Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o novo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes de Guedes, declararam que a instituição passaria por uma reestruturação.
A mudança mais significativa é que o órgão federal terá como prioridade principal dar assistência técnica aos assentamentos, ao invés da desapropriação de terras. Segundo o funcionário do Incra e Diretor da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (CNASI), Acácio Zuniga Leite, essa é uma falsa dicotomia, e “o governo não está desapropriando terras nem melhorando a qualidade dos assentamentos”.
Confira a entrevista de Acácio sobre a reestruturação do Incra para a página do MST:
Os funcionários do Incra estiveram em greve por mais de três meses, e a reestruturação do órgão era uma das pautas. Como você avalia a reestruturação apresentada pelo governo?
Nossa pauta em relação à reestruturação do Incra tinha foco em duas questões: retomar o processo de Reforma Agrária, que está paralisada, e garantir o aumento do corpo técnico, para dar vazão ao processo de qualificação dos assentamentos, de combate a grilagem, fiscalização cadastral, coisas que o Incra tem feito muito pouco ou deixado de fazer, mas que são a nossa missão institucional.
A nossa proposta de reestruturação passava por essas questões. Não há nenhum documento que expresse a posição do governo em relação à Reforma Agrária ou à reestruturação: o que vemos são discursos e falas soltas. A leitura que fazemos dessas falas é que vem um kit do governo em relação ao campo que está baseado na atuação do Incra em conjunto com o programa Brasil Sem Miséria. O problema é que não se coloca a questão da terra como principal.
Ou seja, o minifundiário vai continuar como está, o sem terra também, e o Incra vai atuar como o órgão que dá assistência técnica nos assentamentos que estão na condição de miséria extrema. O discurso que tem vindo vai contra o projeto que defendemos. É um discurso que não ataca a raiz do problema, de retomar o processo de desconcentração fundiária, questão central para o desenvolvimento do campo brasileiro.
No que implica a inclusão do Incra no programa Brasil Sem Miséria?
A miséria hoje no Brasil se concentra no campo. 16 milhões de pessoas estão em situação de pobreza extrema, e 50 % disso está no campo. Como a população do campo é muito menor que a urbana, a pobreza no campo é relativamente muito maior, e ela está concentrada em bolsões que são áreas de minifúndios, pessoas que tem pouca terra, não têm acesso às políticas públicas e estão alijadas de um processo de democratização ou de participação política.
O papel do Incra nesse processo não é ficar atualizando cadastro único, nem aplicando crédito fomento e bolsa verde. Isso também faz parte, mas o papel central é fazer Reforma Agrária, porque é isso que vai dar condições para as famílias saírem de situação de miséria. Quando veio a proposta do Brasil Sem Miséria de entregar 10 quilos de sementes de milho e de feijão para cada agricultor em situação de miséria, alegamos que era uma piada, porque o problema não é a semente, é terra para plantar.
E o pior é que muitas dessas sementes não são crioulas, o agricultor ainda corre o risco de comer semente com fungicida. Não é questão de ser contra ou a favor do Brasil sem Miséria. A miséria no campo é oriunda da concentração fundiária, e os bolsões de pobreza no campo estão nesses lugares com concentração fundiária alta e grilagem de terras.
Por que há assentamentos em condição de miséria extrema?
Nós sabemos que os assentamentos em que há miséria extrema são principalmente os assentamentos recém-implantados há 18, 24 meses atrás, e que não tiveram acesso às políticas públicas do Incra. A miséria se concentra nestes locais; falar que o assentamento é um espaço de miséria é uma mentira.
As políticas públicas do governo federal é que estão inviabilizando a Reforma Agrária. Há casos de assentamentos criados em 2003, nos quais os créditos de fomento da produção não foram pagos às famílias, então é lógico que as pessoas vão estar em situação de miséria.
Isso é relativamente massivo e constante, principalmente na região Norte e Nordeste. O Incra não teve capacidade operacional nem fluidez para conseguir assentar as famílias, aplicar os créditos e dar urbanidade às áreas de assentamento criadas nos últimos oito anos.
Quais são as condições de trabalho dos servidores do Incra?
Nosso problema é a relação entre demanda de trabalho versus capacidade operacional. Entrei no Incra em 2006. Dos colegas que entraram comigo no mesmo concurso, mais de 40% já foram embora. No primeiro semestre desse ano, mais de 200 pessoas se aposentaram no Incra, e o indicativo é que até o fim do governo Dilma, mais 2500 pessoas se aposentem, o que vai diminuir nossa capacidade operacional em mais de 50%.
É impossível um técnico fazer um trabalho efetivo, qualificado, de acompanhamento do processo de desenvolvimento do assentamento quando há uma relação de um técnico para 1500 famílias. Além disso, o técnico muitas vezes tem que rodar 600, 700 quilômetros da sede do Incra até os assentamentos.
Uma das coisas que apoiávamos no debate de reestruturação era a criação de novas unidades avançadas, que levassem o Incra mais para o interior, sem que os técnicos tivessem de depender tanto da capacidade operacional das capitais onde se localizam as sedes.
A greve dos servidores alterou algo nas políticas do Incra?
O governo encerrou as negociações unilateralmente, e sequer topou fazer uma discussão em relação à estrutura e o debate organizativo da autarquia. Então ficou pendente tanto o debate de recomposição dos quadros por meio de novos concursos quanto o debate de melhoria salarial, pois nosso salário hoje é o menor das autarquias. Além disso, não houve discussão sobre o papel do Incra no desenvolvimento nacional.
Qual sua opinião sobre o discurso do governo de que a Reforma Agrária vai acontecer através de melhorias nos assentamentos já existentes, e não pela quantidade de terras distribuídas?
Essa é uma falsa dicotomia. Essa ideia começa com o debate de que a Reforma Agrária “é cara”. Virou senso comum a ideia de que “ou avançamos na obtenção de terras ou na qualidade dos assentamentos”. É necessário avançarmos nas duas frentes, e isso só depende de vontade política do governo federal.
Da mesma forma que se avança em outras políticas estruturantes, podemos avançar na Reforma Agrária, e não só por meio do Incra, mas também com o Ministério do Desenvolvimento Social, governos estaduais, colocando as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) para dar assistência técnica.
Há um mar de possibilidades, mas o que vemos hoje é que nem o governo Lula nem o governo Dilma fizeram essa opção em avançar de maneira importante na Reforma Agrária e nos assentamentos. O valor do orçamento do Incra de 2012, se colocarmos um defletor, é o mesmo de 1995. Não houve uma melhoria no investimento por parte dos governos, e isso reflete na quantidade de famílias assentadas em 2011 e 2012. Na verdade, o governo não está desapropriando terras nem melhorando a qualidade dos assentamentos.
E a parceria do Incra com o programa Minha Casa, Minha Vida?
O debate das casas é importante, porque o modelo que a gente usa de construção de casas constrói moradias mais baratas e de melhor qualidade do que o Minha Casa, Minha Vida.
Nossa política tem controle social. O que o Incra propõe com a ida desse programa
para a Caixa é desestruturar um programa de base organizativa, que é pensado junto com as famílias e de acordo com as necessidades delas, e entregá-lo às empresas, que só visam o lucro.
O que o Incra precisa para realizar um processo efetivo de Reforma Agrária?
Temos que convencer a presidenta de que a Reforma Agrária é importante, porque ela não entende nada de questão agrária. A assessoria dela na Casa Civil em relação ao tema é péssima: são as mesmas pessoas desde o governo FHC (Fernando Henrique Cardoso).
O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o novo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes de Guedes, declararam que a instituição passaria por uma reestruturação.
A mudança mais significativa é que o órgão federal terá como prioridade principal dar assistência técnica aos assentamentos, ao invés da desapropriação de terras. Segundo o funcionário do Incra e Diretor da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (CNASI), Acácio Zuniga Leite, essa é uma falsa dicotomia, e “o governo não está desapropriando terras nem melhorando a qualidade dos assentamentos”.
Confira a entrevista de Acácio sobre a reestruturação do Incra para a página do MST:
Os funcionários do Incra estiveram em greve por mais de três meses, e a reestruturação do órgão era uma das pautas. Como você avalia a reestruturação apresentada pelo governo?
Nossa pauta em relação à reestruturação do Incra tinha foco em duas questões: retomar o processo de Reforma Agrária, que está paralisada, e garantir o aumento do corpo técnico, para dar vazão ao processo de qualificação dos assentamentos, de combate a grilagem, fiscalização cadastral, coisas que o Incra tem feito muito pouco ou deixado de fazer, mas que são a nossa missão institucional.
A nossa proposta de reestruturação passava por essas questões. Não há nenhum documento que expresse a posição do governo em relação à Reforma Agrária ou à reestruturação: o que vemos são discursos e falas soltas. A leitura que fazemos dessas falas é que vem um kit do governo em relação ao campo que está baseado na atuação do Incra em conjunto com o programa Brasil Sem Miséria. O problema é que não se coloca a questão da terra como principal.
Ou seja, o minifundiário vai continuar como está, o sem terra também, e o Incra vai atuar como o órgão que dá assistência técnica nos assentamentos que estão na condição de miséria extrema. O discurso que tem vindo vai contra o projeto que defendemos. É um discurso que não ataca a raiz do problema, de retomar o processo de desconcentração fundiária, questão central para o desenvolvimento do campo brasileiro.
No que implica a inclusão do Incra no programa Brasil Sem Miséria?
A miséria hoje no Brasil se concentra no campo. 16 milhões de pessoas estão em situação de pobreza extrema, e 50 % disso está no campo. Como a população do campo é muito menor que a urbana, a pobreza no campo é relativamente muito maior, e ela está concentrada em bolsões que são áreas de minifúndios, pessoas que tem pouca terra, não têm acesso às políticas públicas e estão alijadas de um processo de democratização ou de participação política.
O papel do Incra nesse processo não é ficar atualizando cadastro único, nem aplicando crédito fomento e bolsa verde. Isso também faz parte, mas o papel central é fazer Reforma Agrária, porque é isso que vai dar condições para as famílias saírem de situação de miséria. Quando veio a proposta do Brasil Sem Miséria de entregar 10 quilos de sementes de milho e de feijão para cada agricultor em situação de miséria, alegamos que era uma piada, porque o problema não é a semente, é terra para plantar.
E o pior é que muitas dessas sementes não são crioulas, o agricultor ainda corre o risco de comer semente com fungicida. Não é questão de ser contra ou a favor do Brasil sem Miséria. A miséria no campo é oriunda da concentração fundiária, e os bolsões de pobreza no campo estão nesses lugares com concentração fundiária alta e grilagem de terras.
Por que há assentamentos em condição de miséria extrema?
Nós sabemos que os assentamentos em que há miséria extrema são principalmente os assentamentos recém-implantados há 18, 24 meses atrás, e que não tiveram acesso às políticas públicas do Incra. A miséria se concentra nestes locais; falar que o assentamento é um espaço de miséria é uma mentira.
As políticas públicas do governo federal é que estão inviabilizando a Reforma Agrária. Há casos de assentamentos criados em 2003, nos quais os créditos de fomento da produção não foram pagos às famílias, então é lógico que as pessoas vão estar em situação de miséria.
Isso é relativamente massivo e constante, principalmente na região Norte e Nordeste. O Incra não teve capacidade operacional nem fluidez para conseguir assentar as famílias, aplicar os créditos e dar urbanidade às áreas de assentamento criadas nos últimos oito anos.
Quais são as condições de trabalho dos servidores do Incra?
Nosso problema é a relação entre demanda de trabalho versus capacidade operacional. Entrei no Incra em 2006. Dos colegas que entraram comigo no mesmo concurso, mais de 40% já foram embora. No primeiro semestre desse ano, mais de 200 pessoas se aposentaram no Incra, e o indicativo é que até o fim do governo Dilma, mais 2500 pessoas se aposentem, o que vai diminuir nossa capacidade operacional em mais de 50%.
É impossível um técnico fazer um trabalho efetivo, qualificado, de acompanhamento do processo de desenvolvimento do assentamento quando há uma relação de um técnico para 1500 famílias. Além disso, o técnico muitas vezes tem que rodar 600, 700 quilômetros da sede do Incra até os assentamentos.
Uma das coisas que apoiávamos no debate de reestruturação era a criação de novas unidades avançadas, que levassem o Incra mais para o interior, sem que os técnicos tivessem de depender tanto da capacidade operacional das capitais onde se localizam as sedes.
A greve dos servidores alterou algo nas políticas do Incra?
O governo encerrou as negociações unilateralmente, e sequer topou fazer uma discussão em relação à estrutura e o debate organizativo da autarquia. Então ficou pendente tanto o debate de recomposição dos quadros por meio de novos concursos quanto o debate de melhoria salarial, pois nosso salário hoje é o menor das autarquias. Além disso, não houve discussão sobre o papel do Incra no desenvolvimento nacional.
Qual sua opinião sobre o discurso do governo de que a Reforma Agrária vai acontecer através de melhorias nos assentamentos já existentes, e não pela quantidade de terras distribuídas?
Essa é uma falsa dicotomia. Essa ideia começa com o debate de que a Reforma Agrária “é cara”. Virou senso comum a ideia de que “ou avançamos na obtenção de terras ou na qualidade dos assentamentos”. É necessário avançarmos nas duas frentes, e isso só depende de vontade política do governo federal.
Da mesma forma que se avança em outras políticas estruturantes, podemos avançar na Reforma Agrária, e não só por meio do Incra, mas também com o Ministério do Desenvolvimento Social, governos estaduais, colocando as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) para dar assistência técnica.
Há um mar de possibilidades, mas o que vemos hoje é que nem o governo Lula nem o governo Dilma fizeram essa opção em avançar de maneira importante na Reforma Agrária e nos assentamentos. O valor do orçamento do Incra de 2012, se colocarmos um defletor, é o mesmo de 1995. Não houve uma melhoria no investimento por parte dos governos, e isso reflete na quantidade de famílias assentadas em 2011 e 2012. Na verdade, o governo não está desapropriando terras nem melhorando a qualidade dos assentamentos.
E a parceria do Incra com o programa Minha Casa, Minha Vida?
O debate das casas é importante, porque o modelo que a gente usa de construção de casas constrói moradias mais baratas e de melhor qualidade do que o Minha Casa, Minha Vida.
Nossa política tem controle social. O que o Incra propõe com a ida desse programa
para a Caixa é desestruturar um programa de base organizativa, que é pensado junto com as famílias e de acordo com as necessidades delas, e entregá-lo às empresas, que só visam o lucro.
O que o Incra precisa para realizar um processo efetivo de Reforma Agrária?
Temos que convencer a presidenta de que a Reforma Agrária é importante, porque ela não entende nada de questão agrária. A assessoria dela na Casa Civil em relação ao tema é péssima: são as mesmas pessoas desde o governo FHC (Fernando Henrique Cardoso).
Por isso há a visão de que a Reforma Agrária é cara e desnecessária.
Pelo contrário, ela é tão importante como necessária, por isso existem mais de
100 mil famílias acampadas por aí. A questão central é dar importância política
a essa pauta, e mostrar que a Reforma Agrária é necessária para o
desenvolvimento do país, inclusive como uma política anticíclica dessa crise do
capitalismo.
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